Comovente História escrita por Hans Christian Andersen
Se é triste conviver com as dificuldades que as crianças vivenciam em nosso país tropical, imagine a realidade das crianças que passam por dias difíceis no inverno rigoroso?
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=_rill4j6c0k
Quando saiu de casa trazia chinelos; mas de
nada adiantavam, eram chinelos tão grandes para seus pequenos pézinhos, eram os
antigos chinelos de sua mãe. A menininha os perdera quando escorregara na
estrada, onde duas carruagens passaram terrivelmente depressa, sacolejando.
Um dos chinelos não mais foi encontrado, e um
menino se apoderara do outro e fugira correndo.
Depois disso a menininha caminhou de pés nus -
já vermelhos e roxos de frio. Dentro de um velho avental carregava alguns
fósforos, e um feixinho deles na mão. Ninguém lhe comprara nenhum naquele dia, e ela
não ganhara sequer um níquel. Tremendo de frio e fome, lá ia quase de rastos
a pobre menina, verdadeira imagem da miséria! Os flocos de neve lhe cobriam os longos
cabelos, que lhe caíam sobre o pescoço em lindos cachos; mas agora ela não
pensava nisso.
Luzes brilhavam em todas as janelas, e enchia
o ar um delicioso cheiro de ganso assado, pois era véspera de Ano-Novo.
Sim: nisso ela pensava!
Numa esquina formada por duas casas, uma das
quais avançava mais que a outra, a menininha ficou sentada; levantara os pés,
mas sentia um frio ainda maior.
Não ousava voltar para casa sem vender sequer
um fósforo e, portanto sem levar um único tostão.
O pai naturalmente a espancaria e, além disso,
em casa fazia frio, pois nada tinham como abrigo, exceto um telhado onde o
vento assobiava através das frinchas maiores, tapadas com palha e trapos. Suas
mãozinhas estavam duras de frio.
Ah! bem que um fósforo lhe faria bem, se ela
pudesse tirar só um do embrulho, riscá-lo na parede e aquecer as mãos à sua
luz!
Tirou um: trec! O fósforo lançou faíscas,
acendeu-se.
Era uma cálida chama luminosa; parecia uma
vela pequenina quando ela o abrigou na mão em concha... Que luz maravilhosa!
Com aquela chama acesa a menininha imaginava
que estava sentada diante de um grande fogão polido, com lustrosa base de
cobre, assim como a coifa.
Como o fogo ardia! Como era confortável!
Mas a pequenina chama se apagou, o fogão
desapareceu, e ficaram-lhe na mão apenas os restos do fósforo queimado.
Riscou um segundo fósforo. Ele ardeu, e quando a sua luz caiu em cheio na
parede ela se tornou transparente como um véu de gaze, e a menininha pôde
enxergar a sala do outro lado. Na mesa se estendia uma toalha branca como a
neve e sobre ela havia um brilhante serviço de jantar. O ganso assado fumegava
maravilhosamente, recheado de maçãs e ameixas pretas. Ainda mais maravilhoso
era ver o ganso saltar da travessa e sair bamboleando em sua direção, com a
faca e o garfo espetados no peito!
Então o fósforo se apagou, deixando à sua
frente apenas a parede áspera, úmida e fria. Acendeu outro fósforo, e se viu sentada
debaixo de uma linda árvore de Natal. Era maior e mais enfeitada do que a
árvore que tinha visto pela porta de vidro do rico negociante. Milhares de
velas ardiam nos verdes ramos, e cartões coloridos, iguais aos que se vêem nas
papelarias, estavam voltados para ela. A menininha espichou a mão para os
cartões, mas nisso o fósforo apagou-se. As luzes do Natal subiam mais altas.
Ela as via como se fossem estrelas no céu: uma delas caiu, formando um longo
rastilho de fogo.
"Alguém está morrendo", pensou a
menininha, pois sua vovozinha, a única pessoa que amara e que agora estava
morta, lhe dissera que quando uma estrela cala, uma alma subia para Deus.
Ela riscou outro fósforo na parede; ele se
acendeu e, à sua luz, a avozinha da menina apareceu clara e luminosa, muito
linda e terna.
-
Vovó! - exclamou a criança.
- Oh! leva-me contigo!
Sei que desaparecerás quando o fósforo se
apagar!
Dissipar-te-ás, como as cálidas chamas do
fogo, a comida fumegante e a grande e maravilhosa árvore de Natal!
E rapidamente acendeu todo o feixe de
fósforos, pois queria reter diante da vista sua querida vovó. E os fósforos
brilhavam com tanto fulgor que iluminavam mais que a luz do dia. Sua avó nunca
lhe parecera grande e tão bela. Tornou a menininha nos braços, e ambas voaram
em luminosidade e alegria acima da terra, subindo cada vez mais alto para onde
não havia frio nem fome nem preocupações - subindo para Deus.
Mas na esquina das duas casas, encostada na
parede, ficou sentada a pobre menininha de rosadas faces e boca sorridente, que
a morte enregelara na derradeira noite do ano velho.
O sol do novo ano se levantou sobre um pequeno
cadáver.
A criança lá ficou, paralisada, um feixe
inteiro de fósforos queimados. - Queria aquecer-se - diziam os passantes.
Porém, ninguém imaginava como era belo o que
estavam vendo, nem a glória para onde ela se fora com a avó e a felicidade que
sentia no dia do Ano Novo.
Hans
Christian Andersen